Como estão a mudar as sociedades europeias?
A mudança das fronteiras, a imigração, a política, os problemas sociais, o envelhecimento da sociedade, a pobreza e as desigualdades, a demografia e os novos padrões da vida familiar, o crime e o comportamento anti-social, a qualidade de vida, a diversidade e o multiculturalismo, dentro da comunidade europeia, sugerem a necessidade de conhecer os factores que determinam as transformações e, assim, se levanta a seguinte questão: como estão a mudar as sociedades europeias?
Breve olhar na História recente
A Religião como um fenómeno social tem sido merecedora de estudo desde o passado e o saber das religiões já era comprovado na antiguidade grega. Desde a história pré-clássica que religião e política, caminham em paralelo, procurando desenvolver a sociedade num sentido de princípios morais aplicáveis, determinando transformações na sociedade contemporânea.
A transição do século XIX para o século XX foi por todo o ocidente europeu ao ritmo de especificidades socioeconómicas, políticas e culturais, e os sistemas liberais oligárquicos, começaram a ser minados nos seus fundamentos pelas dinâmicas de mudança de um capitalismo em profunda transformação económica e tecnológica. O capitalismo concorrencial dava lugar ao capital financeiro, à segunda revolução industrial e à época do imperialismo, isto é, das guerras mundiais de “redivisão” do mundo e de uma nova vaga de revoluções sociais. Estava a surgir aquele que viria a ser chamado de o “curto século XX” cheio de mudanças profundas, basicamente na irrupção de massas políticas e pela emergência de novas classes sociais que se organizavam em novos partidos políticos surgidos nessa vaga da industrialização. Estes movimentos portadores de reivindicações sociais e políticas, chocaram com a velha ordem social, com natureza oligárquica, elitista e de diferentes projectos programáticos, mas, o ponto de partida para essas iniciativas de onde emergia a ditadura militar em Portugal e o Estado Novo foi a degenerescência da monarquia constitucional, a crise aberta pela capitulação do rei e pelo apoio à Igreja Católica. À humilhação nacional, juntava-se a bancarrota financeira e os seus efeitos socialmente devastadores. É precisamente neste contexto dramático de decadência em que se forma a maior crise de sistemas de “valores” ideológicos, políticos e até morais que se lhe estava associada.
A questão religiosa em Portugal resultou num choque com a política, entre os messianismos da tradição católica e o nacionalismo liberal, por contraposição ao tradicionalismo do antigo regime tendo se caracterizado numa vontade de emancipação perante a Igreja Católica, e com uma projecção sem paralelo noutros países europeus que conheceram a reforma religiosa. Seria uma fase de duro combate politico-religioso e social-ideológico, travado sobre os escombros de monarquias liberais que se perderam por quase toda a Europa, subsistindo somente as monarquias em que o rei reina mas não governa. Um confronto onde, frequentemente, as armas da crítica deram lugar à crítica das armas, marcando um dos mais longos períodos de instabilidade política e social da nossa história contemporânea, que culminou com uma divisão em teoria da política com a religião, surgindo assim, os estados laicos por toda a Europa.
As duas guerras mundiais e o clima eminente de guerra que o mundo experimentou durante o século XX, levou à criação de mais de 65 organizações ligadas aos direitos do homem e à procura de uma paz mundial, esta unificação gerou novos conceitos e objectivos, baseados no respeito mútuo, solidariedade, compaixão e justiça social. No entanto manter a paz mundial e o equilíbrio entre “o bem e o mal” foi, é, e será uma tarefa transcendente. A visão da globalização surge, e assim também, uma mudança profunda em todo o equilíbrio social que vive como um ecossistema em que tudo está interligado e que é caracterizado pela diversidade de espécies em que incluiu todos os organismos que nele vivem.
Religião e Política
A caracterização sociológico-política actual, descreve-se mais no plano da economia, na pobreza e desigualdades sociais, na gestão dos conflitos sociais entre países e culturas, cito o problema levantado em França com a comunidade romena e com o uso da burca por parte das mulheres da comunidade islâmica, os atentados em Madrid e Londres, o assassínio do cineasta holândes Theo Van Gogh, os motins em Paris e Lyon, por toda a Alemanha e a grande agitação política causada com os cartoons de Maomé. Estes factores têm despertando a UE para um espaço público de diálogo, com temas que se achavam de alguma forma prescritos pela lenta erosão da secularização.
Elementos desencadeadores de explosão não tradicionais de religiosidade, manifestam a necessidade de compreender o fenómeno religioso e operar na garantia de liberdade religiosa para todos, no dualismo entre política e religião, profano e sagrado, objectivo e subjectivo, fortalecendo a crítica actual da “teoria da secularização”. A religião está de volta? Se existe alguma volta aqui, é a religião à esfera pública, não um reavivamento mas antes a penetração nos espaços institucionalizados ou não. A acção organizada de grupos e organizações religiosas, querendo trazer para a actualidade questões que sempre estiveram presentes na sociedade e que agora regressam á esfera da cultura, levando esta última ao avanço dos processos de democratização dentro de uma lógica pluralista.
A neutralidade do estado diante das disputas religiosas cria o espaço necessário para a promoção do diálogo diante das questões religiosas e do tipo de verdade que cada uma dessas questões levanta para cada grupo religioso, por isso, a separação entre igreja e estado, no sentido da autonomia institucional em relação ao outro, proporciona a liberdade de consciência e culto, independente das autoridades, sem que estas lógicas do religioso sejam entendidas como a “recolonização” do político pelo religioso, mas, entendendo que o vinculo entre religião e política nunca se rompeu, antes tem vindo a ser construído e reconstruído de diferentes maneiras.
Os padrões comuns da sociedade têm sido identificados e avaliados com o intuito de perceber as mudanças sociais, de acordo com parâmetros de bem-estar, tais como, oportunidades económicas, pobreza e desigualdade, o comportamento anti-social e o crime, as dificuldades na mobilidade social, entraves à boa saúde, padrões de vida familiar e os desafios do envelhecimento da sociedade, a diversidade e o multiculturalismo, têm sido o objecto claro de todos os trabalhos desenvolvidos ao explorar a realidade social da Europa procurando conhecer os desafios sociais, comuns aos europeus e reforçar a cooperação, como forma mais eficaz de enfrentar esses desafios. Esta competência da globalização tem se sentido em especial, na política socioeconómica e no desenvolvimento do emprego, porém, os motivos espirituais e religiosos não têm sido devidamente entendidos e acho que é chegado o momento de se dar a devida atenção a esta matéria, e construir as plataformas necessárias para o desenvolvimento de uma paz duradoura.
Religião ou Politica - definição ou discurso
É impossível enumerar as definições de religião que existe na actualidade e muitos estudiosos contemporâneos recusam qualquer declaração descritiva do termo “religião”. Contudo, a carência de uma definição do objecto da pesquisa é um dos aspectos mais curiosos da actualidade. Esta contradição foi provocada pelo eurocentrismo, pelas definições universais, por estudo académico das religiões.
O recente conceito da religião surgiu como um produto histórico da modernidade ocidental (Smith, 1998 Kippenberg, 2002). A definição de uma religião pode significar também um acto de demarcação perante uma realidade cultural ou sócio-política. A interpretação Jonathan Z. Smith é de que há muitas formas de encarar a religião e essa dificuldade relaciona-se a uma perspectiva da personalidade que pronuncia esta definição. Existem por exemplo, perspectivas coloniais (ou ópticas pós-coloniais), perspectivas do género masculino ou ópticas influenciadas pelo iluminismo, marcadas pelo poder da razão. Encontramos dentro do estudo da religião, situações de confronto do estudioso com fenómenos religiosos que não fazem racionalmente muito sentido para ele. Ou seja, o resultado da pesquisa reflecte também a posição mental, social e cultural do investigador. Este facto foi apresentado por Gavin Flood (Flood, 1999: 144-145). Para atingir um grau mais elevado de objectividade é necessária uma reflexão da própria posição. Ou seja é também necessária uma resposta para questões tais como: Quem observa a religião? Quais são os meios de observação? A religião é um produto histórico e cultural, não podendo ser examinada fora do seu contexto histórico, cultural e linguístico. É também importante lembrar que existe uma diferença entre o fenómeno e o conceito da religião, ou seja uma interacção dialéctica entre a crença e a ciência, implicando uma revisão contínua da ligação entre objectividade científica e a semântica religiosa.
A importância do estudo das religiões na sociedade actual
A chegada de milhões de muçulmanos à Europa está também a mudar o quadro religioso e o fenómeno da religião na sociedade moderna está a ressurgir na Europa. Este reaparecimento, veio despertar uma verdadeira surpresa para os partidários da secularização. A religião “voltou” este ressurgimento levanta a necessidade de reflectir, em primeiro no seu “regresso”, e em segundo no conhecimento da mesma. O intuito principal é a demonstração de uma posição imparcial, que possibilite a comparação sistemática de várias religiões, nos seus contextos sociais e históricos. A possibilidade de observar ou estudar a religião como produto puramente cultural, surgiu no mundo ocidental apenas a partir da célebre Critica da Razão Pura (1781) de Immanuel Kant. A Interpretação da religião no contexto cultural, ou seja dentro das ciências culturais ou humanas, utilizando métodos de antropologia, sociologia, psicologia, história e fenomenologia, leva-nos a compreender a construção humana e cultural, não como uma revelação divina, mas sim como, uma Ciência da Religião, que se diferencia de uma forma consequente e consciente da teologia. A ciência das religiões não pode ter e nem deve ter acesso ao lado sobrenatural da religião, mas sim do lado humano e social da fé religiosa, por isso os técnicos em Ciência das Religiões, representam um forte contributo, para a caracterização da realidade religiosa, actuando como competência nesse domínio, podem também nessa área, observar as tendências sociais, avaliando os factores que contribuem para o bem-estar dos europeus nos estados membros da União Europeia.
Os enganos sobre o sagrado
O termo “sagrado” tem sido aplicado no sentido de parafrasear com algo relacionado com religião. Em relação à suposição de sinonímia da noção do termo “sagrado” com o termo religião, nos levaria a uma tarefa bastante difícil, pois citar todos os livros, teses, eventos temáticos, cursos e anúncios onde a palavra “sagrado” é utilizada, seria uma tarefa sem fim.
As relações ontológicas e antropológicas da fenomenologia da Religião e as suas consequências para a abordagem ao mundo religioso e empírico sobre o tema “sagrado” em que segundo, uma cosmo visão dualista, representa a esfera “complementar” ao profano. Do ponto de vista do profano o sagrado é “totalmente outro” representando o fenómeno sui generis, ontologicamente independente e autónomo. O absoluto na sua essência, articula-se no relativo, como “uma força misteriosa”. O encontro do indivíduo com a essência divina, provoca nele sentimentos inexplicáveis de horror e espanto, por um lado, e êxtase e fascinação por outro.
A crítica objectiva quanto ao “sagrado” tem gerado polémica, quanto à negligência no contexto sócio-histórico em que surgiu o termo, e a falta de reflexão sobre as suas implicações confessionais, em que o tema ganhou importância, como conceito da Ciência das Religiões. Segundo críticos á fenomenologia da religião, inspirados pelo paradigma interpretativo, confrontam o “realismo” do tratamento do termo sagrado com o conceito construtivista, enfatizando as consequências das linguagens socialmente estabelecidas no sentido de que a denominação não aponta para algo independentemente existente, mas que esse algo é criado pelo acto da denominação. Outra crítica tem a ver com o facto de o termo sagrado ignorar a distinção metafórica crucial entre a linguagem teórica e a linguagem no nível do objecto.
O maior desafio que a complexidade das religiões representa, é o de trazer a complexidade do “abstracto” ao “conhecimento” do sagrado. Assim, gerações de cientistas da religião defendem o carácter multidisciplinar dos seus estudos e a necessidade de uma colaboração entre especialistas de diferentes áreas, em todas as dimensões que compõe qualquer religião, criando assim, uma maior consciência e noção do termo sagrado, dado que, nem a política é responsável por todo o mal, nem a religião responsável por todo o bem.
Sociedade e relações sociais
É evidente a grande diversidade de culturas existentes tanto dentro do nosso país como nos Estados-Membros, mas, os desafios sociais que se enfrentam na actualidade são genericamente os mesmo. A diversidade cultural trazida pelas novas etnias, que vai desde a língua e religião até à individualização dos valores. O esforço dos países dos estados membros para acolher e integrar neste espaço geográfico estas novas gerações, tem representado um desafio para todos os Estados-Membros. A descriminação social tem vindo a aumentar no mercado de trabalho, os obstáculos estão na idade, tendência sexual, cor de pele, nacionalidade e também pela religião do cidadão. A emergência de novas questões e a procura de soluções nesta fase de transição motivou o surgimento de observatórios capazes de produzir a informação necessária, para vencer as tendências tantas vezes mais destrutivas da sociedade, esse esforço é na actualidade mais visível, na procura de uma estabilidade económica entre todos os Estados-Membros.
A globalização caminha procurando vencer as actuais tendências económicas, pondo em causa o tão falado “crescimento sustentado” que mais aponta para um “decrescimento”. Estas reestruturações, que normalmente centram o seu desígnio nas questões críticas da política comercial e industrial, deixam para trás frequentemente as comunidades tradicionais, os seus valores e modos de vida, assim, e sem que os desafios sociais europeus culpem a globalização, como factor de entrave, parece-me ser importante reflectir nos aspectos de qualidade de vida do cidadão, que vai para além da politica de “ar limpo e água limpa”, que obviamente tanto nos preocupa, como politica de segurança ambiental, porque mais importante, do que deixar um bom planeta para os nossos filhos é criar bons filhos para o planeta.
A criação de uma abundância generalizada e o crescimento da modernização económica, têm vindo a mudar profundamente a sociedade, mudando os padrões familiares, aumentando o individualismo e os conceitos. O que explica que cerca de um sexto dos idosos na Europa persistem na pobreza? Porque cada vez mais idosos vivem sozinhos? Porque existe ainda tanta pobreza infantil na Europa? Porque a taxa de natalidade continua a diminuir na Europa? Porque o stress está a aumentar? São algumas das questões que se levantam numa sociedade que se pretende mais coesa, mais humana, mais justa.
Na actualidade levantam-se vários problemas, quanto à sociedade e o seu envelhecimento, as previsões apontam para uma taxa de 25% de população idosa no ano 2050, isto nos confronta com uma Europa mais envelhecida e com menos tenacidade. A população em geral envelhece, e em Portugal pela primeira vez da história, no ano de 2009, a taxa de mortalidade foi superior à da natalidade, na actual tendência a população se extinguirá. Este envelhecimento da sociedade tem levantado questões de bem-estar dentro da comunidade europeia, porém, a realidade social caminha para o tratamento de medidas mais confortáveis para as economias em rotura, e para um sistema social de pensões que parece condenado pelas evidentes estatísticas, pondo em causa os débeis sistemas financeiros.
Os europeus tornam-se progressivamente mais tolerantes, quanto às diferentes opções de vida, e a sua permissividade numa ampla variedade de dimensões que tem enfraquecido a sociedade, sendo visível um maior declínio moral nessa procura de “bem-estar”, e será certamente ao abrigo desse evocado “bem-estar” que o tema da eutanásia será trazido à ribalta do parlamento, como solução para uma “segurança social” falida, sem recursos financeiros, esgotada nos seus meios, pelos custos de abortos e subsídios de nascimentos, como paradoxo vivo de um erro moral. A espiritualidade do homem faz parte da sua natureza, da identidade do ser humano, fazendo um corpo com uma estética e uma ética próprias, as quais configuram o que chamamos de dignidade humana. A dignidade é uma qualidade transcendente, própria dos seres humanos, compostas de vertentes psicológicas, afectivas e emocionais, espirituais e físicas, e estes “ruídos” do corpo são muito fortes no período terminal da vida humana, e devem ser compreendidos, por parte de uma equipe que deverá ser multidisciplinar, e bem formada no plano moral e ético. A dor na sua total “dimensão” ocupa um lugar na consciência humana tão forte que impede a pessoa de pensar livremente e de agir eticamente. Cada um de nós tem um corpo próprio e no limite do desespero pode ser levado à vontade de o destruir.
Na actualidade levantam-se muitas questões quanto aos conceitos de bem-estar, e à escala em que esses níveis são levados, e do que realmente importa para a felicidade humana e para a satisfação com a vida, os valores relativamente ao indivíduo, à família, à comunidade e sociedade, são cada vez mais ponderados, num mundo que caminha mais no individualismo, como via de liberdade pessoal, a maior crise que a Europa está a viver é a crise de “valores”, a pobreza está a aumentar em todos os países, também se registam as maiores taxas de desemprego, numa sociedade em que as famílias vivem de dois salários. A pobreza encontra-se generalizada em todos os países, e o amor para com o próximo tem esfriado como resultado da filosofia individualista que está em crescimento por todos os países da comunidade.
Nesta fase de crise, o discurso político hipócrita parece ter encontrado uma força gratuita de trabalho e de benefício social, nas organizações religiosas de ajuda humanitária, transferindo ainda mais a área de misericórdia para as confissões religiosas. Esta postura é a resposta dos que vêem a Religião como uma força capaz de juntamente com política gerar uma capacita restauradora e activa na ajuda para com os oprimidos e pobres.
Conhecimento que nos levará ao Reconhecimento?
John Micklethwait e Adrian Wooldridg no seu livro “O Regresso de Deus” (Micklethwait e Wooldridg, 2010:35) diz: Quer os neo-ateus gostem, quer não, o homem é um animal teantrópico: se lhe for dada opção, ele tem tendência para acreditar num Deus, porque, demonstram os estudos, não é de descurar o facto de que a religião pode aumentar o seu bem-estar de forma material e espiritual. (Se um grupo de intelectuais lamenta a ascensão da religião, outro está a tentar avaliar a razão porque ela resulta). O autor, afirma, no seu livro, que o reaparecimento da religião na esfera pública tem sido o clamor de protesto entre intelectuais laicos, muitos dos quais afirmam que o verdadeiro choque de civilizações não está entre as diferentes religiões, mas entre a superstição e a modernidade. A perspectiva crítica da religião é positiva para a maturidade da sociedade.
Bibliografia
Jonh Micklethwait e Adrian Wooldridge: o Regresso de Deus –
publicações Quetzal
Steffen Dix: Revista lusófona de Ciência das Religiões, 2007
Richard Wilkilson: Espírito da Igualdade – Editorial Presença 2010
Norman Geisler e Frank Turek: Não tenho fé suficiente para ser ateu – Editora Vida Académica
Sites:
http://www.equalitytrust.org.uk/why
Porhttp://europa.eu/index_pt.htm
Por: Joaquim Ernesto Moura de Sousa
10/11/2015